9 de fev. de 2011

MINHA EXPERIENCIA RELIGIOSA

O fé ire, o fé ire, o fé ire,

Iyo s’opé olóre,

O fé.

Queremos tudo de bom,

felicidades, gratidão aos amigos.

Motumbá meu mais velhos e meus mais novos,

Quando ouvimos o chamado dos orixás e, cada um ao seu modo, resolve se entregar a essa força maravilhosa deixamos esse mundo para em seguida renascermos. Esse renascimento é cercado de sacrifícios, às vezes, passamos por algumas dificuldades, uns mais outros menos.. Renascemos iyawo, nossos olhos despertam para o mistério (awo). Nossa maneira de encarar a vida se modifica, não somos mais os mesmos. A partir desse momento temos a certeza que jamais estaremos sozinhos, pois dentro de cada um de nós se faz a morada de nosso Deus pessoal, nosso Pai, nossa Mãe espiritual. Só quem passou pelo “segredo” sabe o que estou dizendo. Existe um ditado, que gosto muito, e que traduz bem essa filosofia: "Biri biri bó won loju, ogberi nko mo mariwo". Trevas cubram seus olhos, os não iniciados não podem conhecer os segredos do mariô.

Ilustração de Patrick de Ayrá (Obásilè)
Ser iyawo nem sempre é tarefa fácil, pois exige de nós disciplina, paciência, atenção, humildade e acima de tudo amor ao orixá. Somos a todo tempo testados em nossos limites. Saber ouvir muito e falar pouco, perguntar demais então, não é visto com bons olhos. Para mim, como bom filho de Ogún, nem sempre isso foi tarefa fácil, rsrs. Saber respeitar os mais velhos, mesmo que essa diferença fosse de alguns dias.. Saber colocar a vaidade de lado e respeitar sempre a hierarquia da casa.. Mas acredito que consegui superar minhas limitações e respeitar o tempo, afinal, a tradição assim nos impõem suas regras. Regras essas que fortificaram essa religião e a fizeram permanecer viva até os dias de hoje. Se não fui eu quem criei como posso querer modificá-las?

E dessa forma os anos foram se passando, busquei aprender sempre com cada irmão e irmã. Com alguns aprendi mais com outros menos, entretanto nenhum deles deixou de me ensinar alguma coisa. Espero poder aprender muito ainda. Mas o tempo não para não é mesmo: um, três, cinco e eis que de repente chegamos aos sete. Número difícil, cercado de simbolismos e expectativas. Segundo os esotéricos é o número do autoconhecimento, da espiritualidade. Para nós do Candomblé representa o final de nossa iniciação, momento em que o elo que nos liga a nosso orixá fica mais apertado, mais estreito. A responsabilidade a cerca de nossas ações fica evidente, nossa educação de axé está moldada. Posso dizer com toda certeza que chego aos meus sete anos com a mais completa convicção que trilhei o caminho correto, não desrespeitando ninguém, procurando ajudar sempre que possível, respeitando o meu tempo, e também o tempo dos outros. Realmente valeu a pena.

Certa vez conversando com Pai Flávio disse a ele que estava muito feliz, ele prontamente me perguntou o porquê da alegria. Na hora não soube responder especificamente o motivo, mas na verdade hoje sei. Quando fazemos o que é certo e nos doamos realmente para nossos orixás, eles nos dão o que há de melhor. E para mim a melhor coisa que recebi nesses quase oito anos de iniciado é a paz de espírito, de não carregar mágoas no coração, de ver o mundo com olhos de esperança, de procurar a beleza que se esconde, às vezes, atrás de uma cara fechada, por que não?

Agradeço muito a Pai Flávio e ao Ilé Asé Omí Iwín Odara, pois nessa casa eu consegui encontrar o meu caminho. Esse caminho tem sido de muitas vitórias e conquistas, alguns tropeços é claro, mas que também foram importantes, pois me fizeram crescer e lutar com mais força para atingir os meus objetivos. Quando cheguei no Ilé, fui recebido por uma grande árvore ornada com lindos presentes, Pai Flávio conhece a história. Pois é, que ela continue lá, alta e majestosa, protegendo a todos nós, os seus filhos.

Ilustração de Patrick de Ayrá (Obásilè)
Talvez alguns achem que estou escrevendo muito, mas achei importante dividir com os meus irmãos a minha experiência religiosa. Nem sempre temos tempo de trocar nossas impressões uns com os outros, mas digo, principalmente aos mais novos: Ser iyawo é maravilhoso, saibam respeitar o seu tempo, tenham amor ao seu orixá, confiem em sua casa de culto. O axé que ela possui é fantástico, problemas são normais em todo lugar, só o paraíso é perfeito. E nunca devemos esquecer que o sucesso de uma casa de santo está intimamente ligada a capacidade dos seus membros vencerem JUNTOS as dificuldades e se manterem unidos. De acordo com a filosofia que herdamos de nossos ancestrais, o coletivo é sempre mais importante que o individual, não por um indivíduo ser menos importante que o outro, mas pelo fato de ninguém conseguir sobreviver bem, por muito tempo isolado. Os galhos de Danko (bambusal) são fortes por que um sustenta o outro, o vento passa mas ele nunca é destruído. Por isso cantamos após o orixá dar o seu nome, ou em ocasiões especiais e de festividade:

“F’ara imóra Olúwo, F’ara imóra

Arakétu wúre, Fara imóra

Olóore salare, A mu’ ra dìde

Olóore salare, Omo Araketu ‘wure”

“Usamos o corpo para nos abraçar

Nós nos abraçamos

Somos todos filhos do Povo de Kétu

E pedimos abenção. Unidos em um só corpo.”