30 de mar. de 2011

EXU PARA JORGE AMADO


Exu para Jorge Amado


Não sou preto, branco ou vermelho,
Tenho as cores e formas que quiser.
Não sou diabo nem santo, sou Exu!
Mando e desmando,
Traço e risco
Faço e desfaço.
Estou e não vou
Tiro e não dou.
Sou Exu.
Passo e cruzo
Traço, misturo e arrasto o pé
Sou reboliço e alegria
Rodo, tiro e boto,
Jogo e faço fé.
Sou nuvem, vento e poeira
Quando quero, homem e mulher
Sou das praias, e da maré.
Ocupo todos os cantos.
Sou menino, avô, maluco até
Posso ser João, Maria ou José
Sou o ponto do cruzamento.
Durmo acordado e ronco falando
Corro, grito e pulo
Faço filho assobiando
Sou argamassa
de sonho carne e areia.
Sou a gente sem bandeira,
O espeto, meu bastão.
O assento? o vento! ...
Sou do mundo, nem do campo
nem da cidade,
não tenho idade.
Recebo e respondo pelas pontas,
pelos chifres da nação
Sou Exu.
Sou agito, vida, ação
Sou os cornos da lua nova
A barriga da rua cheia!...
Quer mais? não dou,
não tou mais aqui.
Postagem enviada por: Lucinha Pessoa
Foto Jorge Amado (autor desconhecido)
Foto Ogó de Exu por: Flávio Rocha
Foto Flor de Exu por: Flávio Rocha

24 de mar. de 2011

SOU OYA



SOU OYA
"SOU O VENTO NO BAMBUZAL,
O BÚFALO NO DESCAMPADO.
A LAGARTA NO CAULE DA ÁRVORE,
A BORBOLETA NO CÉU AZUL."
"SOU A DONA DOS RAIOS,
A SENHORA DO FURACÃO.
A GUERREIRA INDEPENDENTE, 
A AMADA DO REI GUERREIRO,
A ESPOSA DO REI DA PAZ."
"SOU FILHA DA SENHORA DA TERRA,
QUERIDA DA DEUSA DO ODÒ."
"SOU AQUELA QUE VARRE A TERRA,
A QUE TRAZ O FOGO NA MÃO,
A QUE TEM O PODER NA MORTE, 
A QUE TRAZ PARA A VIDA A SOLUÇÃO"
"FUI EU QUEM VARRI AS FOLHAS,
FUI EU QUEM VENTEI O ROSTO DO SOL, 
FUI EU QUEM PAREI A ESPADA,
FUI EU QUEM GANHEI O PODER SOBRE OS MORTOS,
FUI EU QUEM ENTREI NA FLORESTA,
FUI EU QUEM SENTEI AO LADO DAS ANCIÃS,
SOU EU A DONA DO BARRO,
SENHORA DOS MISTÉRIOS,
DONA DO BARRACÃO"
"SOU EU QUEM TRAGO MEUS FILHOS,
NA BARRA DE MINHA SAIA,
SOU EU QUEM LEVO TODOS OS FILHOS,
NO FIM DE SUA JORNADA"
SOU OYA, QUEBRO O VENTO, VARRO A TERRA,CESSO O RIO,SOU A DONA DA ESPADA!!!!
EPARREI
Escultura em cerâmica: Carmem Barros (2003) 

Texto enviado por Ekede Guanayra 
Foto: Atriz Débora Almeida - Espetáculo Teatral "Sete Ventos" - por: Zezinho Andrade

3 de mar. de 2011

O valor que o Tempo tem..

Assisti a esse vídeo e não tive como deixar de postá-lo aqui. O mesmo foi realizado pelos membros do Ilé Asé Opo Afonjá para comemorar os Cem Anos de Iniciação (Ógorún Ódun Óbadéyi) de Mãe Agripina de Aganjú (Obá Deyi). A história dessa sacerdotiza se confunde com a história dessa casa centenária. Obá Deyi foi iniciada por Mãe Aninha (Obá Biyi), filha da Casa Branca do Engenho Velho e fundadora do Ilé Asé Opo Afonjá no Rio de Janeiro (1895) e em Salvador (1910). Mãe Aninha foi sucessora do Asé no Rio de Janeiro (Coelho da Rocha).
O que mais me chamou a atenção no vídeo é a forma com a qual os membros do axé se reportam a sua Matriarca. Observamos na fala de cada um muitos sentimentos: amor, carinho, respeito, gratidão, orgulho, saudade.. É impossível não se emocionar com os seus depoimentos e relatos. Tive que chorar.. Mas foram lágrimas de felicidade, de saber que essas senhoras existem. Que a memória de nossos ancestrais ainda é respeitada e louvada. É realmente reconfortante.
Digo isso, pois, hoje em dia, se percebe no discurso das pessoas muito descaso com relação aos mais velhos, aqueles que vieram bem antes de nós. Parece que tudo aquilo que eles construíram e deixaram para nós não tem valor. Às vezes me sinto errado no meio de tantos “certos”, que insistem em menosprezar o tempo e o conhecimento acumulado.. Como eu poderia com meus poucos anos de iniciado, me comparar a essas senhoras? O que diferencia um iyawo de um egbomí, é tudo a mesma coisa? Será que a chamada “educação de axé” não é mais necessária? Devemos deixá-la de lado?
Prefiro acreditar que não! Esse vídeo é uma das indicações que me levam a acreditar que estou no caminho certo. O bailado de cada uma dessas senhoras (e senhores) saudando Obá Aganjú com tanta intensidade e veneração não deixa dúvida alguma. Cada um deles trás na alma e no coração a força acumulada ao longo de cada ano de trabalho na sua casa de santo. Cada pena retirada, cada noite mal dormida, cada obrigação paga, cada momento de aprendizagem, perdas, vitórias, alegrias, tristezas, enfim tudo aquilo que o Tempo nos proporciona. Digo sempre: Só quem soube respeitar Tempo sabe o valor que Ktembo tem.. A força do nosso Candomblé reside aí. Esse é o verdadeiro awo (segredo) que muita gente iniciada ainda não conseguiu descobrir, e talvez nunca descubra.

9 de fev. de 2011

MINHA EXPERIENCIA RELIGIOSA

O fé ire, o fé ire, o fé ire,

Iyo s’opé olóre,

O fé.

Queremos tudo de bom,

felicidades, gratidão aos amigos.

Motumbá meu mais velhos e meus mais novos,

Quando ouvimos o chamado dos orixás e, cada um ao seu modo, resolve se entregar a essa força maravilhosa deixamos esse mundo para em seguida renascermos. Esse renascimento é cercado de sacrifícios, às vezes, passamos por algumas dificuldades, uns mais outros menos.. Renascemos iyawo, nossos olhos despertam para o mistério (awo). Nossa maneira de encarar a vida se modifica, não somos mais os mesmos. A partir desse momento temos a certeza que jamais estaremos sozinhos, pois dentro de cada um de nós se faz a morada de nosso Deus pessoal, nosso Pai, nossa Mãe espiritual. Só quem passou pelo “segredo” sabe o que estou dizendo. Existe um ditado, que gosto muito, e que traduz bem essa filosofia: "Biri biri bó won loju, ogberi nko mo mariwo". Trevas cubram seus olhos, os não iniciados não podem conhecer os segredos do mariô.

Ilustração de Patrick de Ayrá (Obásilè)
Ser iyawo nem sempre é tarefa fácil, pois exige de nós disciplina, paciência, atenção, humildade e acima de tudo amor ao orixá. Somos a todo tempo testados em nossos limites. Saber ouvir muito e falar pouco, perguntar demais então, não é visto com bons olhos. Para mim, como bom filho de Ogún, nem sempre isso foi tarefa fácil, rsrs. Saber respeitar os mais velhos, mesmo que essa diferença fosse de alguns dias.. Saber colocar a vaidade de lado e respeitar sempre a hierarquia da casa.. Mas acredito que consegui superar minhas limitações e respeitar o tempo, afinal, a tradição assim nos impõem suas regras. Regras essas que fortificaram essa religião e a fizeram permanecer viva até os dias de hoje. Se não fui eu quem criei como posso querer modificá-las?

E dessa forma os anos foram se passando, busquei aprender sempre com cada irmão e irmã. Com alguns aprendi mais com outros menos, entretanto nenhum deles deixou de me ensinar alguma coisa. Espero poder aprender muito ainda. Mas o tempo não para não é mesmo: um, três, cinco e eis que de repente chegamos aos sete. Número difícil, cercado de simbolismos e expectativas. Segundo os esotéricos é o número do autoconhecimento, da espiritualidade. Para nós do Candomblé representa o final de nossa iniciação, momento em que o elo que nos liga a nosso orixá fica mais apertado, mais estreito. A responsabilidade a cerca de nossas ações fica evidente, nossa educação de axé está moldada. Posso dizer com toda certeza que chego aos meus sete anos com a mais completa convicção que trilhei o caminho correto, não desrespeitando ninguém, procurando ajudar sempre que possível, respeitando o meu tempo, e também o tempo dos outros. Realmente valeu a pena.

Certa vez conversando com Pai Flávio disse a ele que estava muito feliz, ele prontamente me perguntou o porquê da alegria. Na hora não soube responder especificamente o motivo, mas na verdade hoje sei. Quando fazemos o que é certo e nos doamos realmente para nossos orixás, eles nos dão o que há de melhor. E para mim a melhor coisa que recebi nesses quase oito anos de iniciado é a paz de espírito, de não carregar mágoas no coração, de ver o mundo com olhos de esperança, de procurar a beleza que se esconde, às vezes, atrás de uma cara fechada, por que não?

Agradeço muito a Pai Flávio e ao Ilé Asé Omí Iwín Odara, pois nessa casa eu consegui encontrar o meu caminho. Esse caminho tem sido de muitas vitórias e conquistas, alguns tropeços é claro, mas que também foram importantes, pois me fizeram crescer e lutar com mais força para atingir os meus objetivos. Quando cheguei no Ilé, fui recebido por uma grande árvore ornada com lindos presentes, Pai Flávio conhece a história. Pois é, que ela continue lá, alta e majestosa, protegendo a todos nós, os seus filhos.

Ilustração de Patrick de Ayrá (Obásilè)
Talvez alguns achem que estou escrevendo muito, mas achei importante dividir com os meus irmãos a minha experiência religiosa. Nem sempre temos tempo de trocar nossas impressões uns com os outros, mas digo, principalmente aos mais novos: Ser iyawo é maravilhoso, saibam respeitar o seu tempo, tenham amor ao seu orixá, confiem em sua casa de culto. O axé que ela possui é fantástico, problemas são normais em todo lugar, só o paraíso é perfeito. E nunca devemos esquecer que o sucesso de uma casa de santo está intimamente ligada a capacidade dos seus membros vencerem JUNTOS as dificuldades e se manterem unidos. De acordo com a filosofia que herdamos de nossos ancestrais, o coletivo é sempre mais importante que o individual, não por um indivíduo ser menos importante que o outro, mas pelo fato de ninguém conseguir sobreviver bem, por muito tempo isolado. Os galhos de Danko (bambusal) são fortes por que um sustenta o outro, o vento passa mas ele nunca é destruído. Por isso cantamos após o orixá dar o seu nome, ou em ocasiões especiais e de festividade:

“F’ara imóra Olúwo, F’ara imóra

Arakétu wúre, Fara imóra

Olóore salare, A mu’ ra dìde

Olóore salare, Omo Araketu ‘wure”

“Usamos o corpo para nos abraçar

Nós nos abraçamos

Somos todos filhos do Povo de Kétu

E pedimos abenção. Unidos em um só corpo.”